Entre os Muros da Escola

19/10/2011 11:50

Toda a ação de Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, 2008) se passa nas salas, nos corredores e nos páteos de um colégio nos arredores de Paris, ao longo de um ano letivo. Mas o filme do francês Laurent Cantet (Em Direção ao Sul) evidentemente extrapola os muros e serve de comentário sobre a realidade no país - basta ver que não há negros e árabes (parcela significativa dos alunos) entre o corpo letivo, só na equipe de faxina.

É um drama contundente sobre o modo como a França lida com seus cidadãos saídos de ex-colônias, mas essa é a superfície. O vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2008 tem muito a dizer também sobre a relação professor-alunos de modo geral, independente do contexto social. Mais do que contundente, é um drama sufocante sobre uma relação que acima de tudo é de poder - por mais que um professor tente se aproximar de seus estudantes, sempre vai existir uma barreira intransponível que os distancia.

Entre os Muros da Escola sufoca porque François, o professor protagonista (que "filtra" para nós não apenas as ações dos alunos como também dos outros professores), a todo instante busca uma cumplicidade impossível com seus alunos. Há os imigrantes africanos que trazem para a sala um histórico familiar em frangalhos, há o menino chinês que se esmera em matemática mas vai mal na aula de francês. O modo como François conversa com a classe dá a entender que, num ambiente tão heterogêneo, a única alcançar cada um dos alunos é falando-lhe individualmente. Mas o filme mostrará que, antes de qualquer coisa, impera ali a hierarquia.

François é interpretado por François Bégaudeau, ator não-profissional que escreveu um livro sobre suas experiências como professor numa escola similar à do filme. Cantet e Robin Campillo adaptaram o roteiro, mas a base do filme é mesmo a obra autobiográfica de Bégaudeau. Que ele se saia bem como ator só não é mais espantoso porque, no fim do filme, descobrimos que todos os alunos são atores amadores. O que parecia um drama ganha, depois da sessão, outra dimensão, em que tracejar uma linha entre o documentário e a ficção é esforço inútil.

Em entrevista à revista Cahiers du Cinéma, Cantet - que tem uma obra essencialmente sociopolítica, bem expressa em filmes como Recursos Humanos (1999) e A Agenda (2001) - explica como realizou um filme igualmente político, mas nascido de uma semi-improvisação, em que deixava os eventos ditarem o que seria filmado:

"Nós [Cantet e Bégaudeau] nos encontrávamos todos os dias uma hora antes da filmagem num café em frente à escola para fazermos o plano das cenas do dia. François tinha a responsabilidade da orquestração da cena, pelo menos nas primeiras tomadas. Ele estava diante de 25 alunos e devia conseguir juntar todos para o nosso objetivo. Eu tinha para a filmagem três monitores à minha frente, num canto da sala, e uma ligação de áudio com cada cameraman, para sugerir as deslocações. Às vezes intervinha no meio de uma cena. A preparação durou todo um ano escolar. A filmagem, sete semanas. Hoje não sei o que é do livro ou o que é do trabalho posterior."

Percebe-se na tela que os ensaios deram aos adolescentes a naturalidade exigida em cena; da preparação, os temas foram sendo enxugados até chegar a um resultado sem sobras ou excessos - e com um senso de urgência que apenas a proximidade das câmeras (é a primeira vez que Cantet roda com mais de uma) pode transmitir. Quem criticava outro documentário francês sobre ensino - Ser e Ter (2002) - por ser uma visão míope da França, idílica com suas escolinhas de interior e limpa de imigrantes, terá dificuldade de se queixar de Entre os Muros da Escola. Não espere, também, aquele tipo edificante à la Sociedade dos Poetas Mortos. O filme de Cantet está em outro nível.