Pai e mãe diferentes e complementares

18/08/2011 11:59



Por: Fernanda Pompermayer, Virgínia Aparecida dos Santos

Tivemos num tempo que, como em nenhum outro, passa por transformações profundas. E são mudanças rápidas e abrangentes. Os movimentos libertários, ocorridos na segunda metade do século passado, alteraram significativamente a composição da família – principalmente com a utilização da pílula anticoncepcional e a lei do divórcio (aprovada no Brasil em 1975). Além disso, alguns aspectos como o avanço irrefreável da tecnologia, os efeitos culturais da globalização, a inserção crescente das mulheres no mercado de trabalho (com a consequente redução do número de filhos), tiveram e têm um papel de primeira grandeza nessa mudança de época, mudança que afeta cada indivíduo.

Muitos de nós fomos educados tendo a família como célula fundamental da sociedade. Gerações e gerações de homens e mulheres cresceram sob a proteção de um lar, de um pai, de uma mãe, muitas vezes aquecidos também pelo afeto de avós e de outros parentes.

Essa experiência ainda é possível? E – principalmente – ainda é necessária?

Para o professor doutor Dmitri Cerboncini Fernandes, do Departamento de Sociologia da USP, a família perdeu muito espaço na sociedade e acabou “terceirizando” o seu papel: as crianças são educadas por babás, ou pela escola em seus vários níveis – quando não pela TV ou pelo computador –, enquanto os pais estão trabalhando, ou quando, em muitos casos, houve uma separação. Na opinião do professor, “hoje as fontes que informam as crianças são muitas. A família passou a ser mais uma célula de formação, ou seja, é uma entre as várias instituições que lidam com a formação da criança”.

O próprio pai, cuja figura era, antes, símbolo de segurança, de estabilidade, “verdadeiro porto seguro”, hoje está sujeito ao desemprego iminente, que, às vezes, se arrasta por anos, afetando diretamente o seu papel dentro da estrutura familiar. “Ele não é mais o provedor, o sustentáculo moral da família, mas tem sua identidade dilacerada”, afirmou Fernandes. No entanto, apesar dessas mudanças fundamentais, segundo o estudioso, “os pais dão o referencial moral ou ético. São eles que transmitem os valores para os filhos”.

Toda criança, seja ela menina ou menino, tem necessidade de absorver e introjetar o caráter masculino normalmente relacionado pela psicologia à agressividade, entendida como uma função importante no relacionamento do sujeito com o mundo exterior. Essa é a visão de Romildo Almeida, psicólogo clínico que trabalha em algumas cidades do Estado de São Paulo. Ele vê a agressividade “relacionada com agilidade, persistência, coragem, deter­minação, ambição, entre outras qualidades”. Para o psicólogo, a origem dessas qualidades é dupla: “Uma parte é inata, mas outra parte é aprendida através do contato com as pessoas, principalmente com os pais, que são os modelos primordiais com quem a criança aprenderá a relacionar-se. O papel do pai é importante porque é ele quem possui naturalmente essas características do sexo masculino”.

E a mãe, que função exerce?

A mulher tem um papel fundamental na educação e formação da personalidade. É ela que transmite à criança – menino ou menina – as características naturais do sexo feminino como delicadeza, compreensão, receptividade, acolhimento, bondade. Segundo Almeida, a criança, desde cedo, aprende essas características a partir do vínculo que desenvolve com a figura materna. O psicólogo suíço Carl Gustav Jung chamou de Anima e Animus as características que compõem o aspecto feminino e masculino, respectivamente.

Além disso, existe uma complementaridade entre as características específicas do homem e da mulher. Juntas elas dão equilíbrio psicológico ao indivíduo. Para Almeida, “um indivíduo bem equilibrado em termos psicológicos é aquele que, não obstante esteja bem integrado e ajustado com a sua identidade sexual, possui um pouco das características do sexo oposto”. Isto é, “um homem que, apesar de ser corajoso, decidido, incisivo e rígido (características do próprio sexo masculino), apresenta também certa docilidade, benevolência, que são características do sexo feminino”. “Do mesmo modo se pensarmos em um modelo equilibrado de mulher” – continua o terapeuta –, “teríamos uma mulher à primeira vista simpática, acolhedora, dócil, gentil, delicada, mas ao mesmo tempo com uma capacidade de reação frente aos obstáculos”.

O psicólogo Carlos Messa, autor do livro “O Poder dos Pais no Desenvolvimento Emocional e Cognitivo dos Filhos”, vê o papel dos pais como “construtores da mente” dos próprios filhos: “A natureza constrói o cérebro, que traz consigo algumas tendências instintivas; os pais constroem a mente”, diz ele. Ou seja, “pais e mães têm um poder mágico: gerar pensamentos, comportamentos e atitudes em seus filhos, além de transformar pensamentos, comportamentos e atitudes indesejados”. E Messa explica: “Empreguei a palavra ‘mágica’ porque o poder dos pais é tão grande que, como em uma mágica, extrapola aquilo que consideramos normal e, ainda, porque os próprios pais não acreditam ser capazes de realizar tamanha criação ou transformações”.

 

Ausência dos pais

Por ocupar-se diretamente do indivíduo e de seu comportamento, a psicologia nos fornece elementos e informações que revelam quanto é imprescindível a relação do pai e da mãe com os filhos. No entanto, diante do contexto social em que grande parte das famílias vive hoje, essa relação pode parecer idealizada demais e nem sempre possível. Basta pensar nos inúmeros casos de separação dos cônjuges, dos filhos de mães solteiras e também da morte prematura de um dos genitores.

Estarão essas crianças fadadas a um futuro de desequilíbrio emocional? A resposta está naquilo que a psicologia denomina “adulto significativo”, como explica Carlos Messa. “Os valores se formam através do relacionamento com o ‘adulto significativo’ – e não apenas por meio de palavras, mas, principalmente, de exemplos”. Para ele, essa figura pode ser a babá, a professora, um tio, um avô ou avó, que assumirão o papel do pai ou da mãe.

Essa ideia é compartilhada por Romildo Almeida: “A mãe não pode substituir o papel do pai e nem o pai pode substituir o papel da mãe. Quando um deles faltar, a criança deve travar um relacionamento com outras pessoas, outras personagens, do mesmo sexo do genitor ausente: um adulto que, ao criar um vínculo positivo, irá apresentar as características da sexualidade para essa criança”.

 

Papel suplementar

Nos milhares de exemplos em que a mãe também trabalha o dia todo, a escola tem assumido uma função determinante na formação das crianças. Esta, porém, segundo os psicólogos entrevistados, deve exercer um papel de complementaridade, não de substituição dos pais.

Há pouco tempo, tomamos conhecimento em Cidade Nova da experiência de uma professora que confirma esse papel de apoio que os professores têm na formação das crianças. Carlos, um garoto de dez anos, vivia calado pelos cantos da escola. Não tinha amigos e custava-lhe se enturmar com os colegas. A sua expressão era sempre de uma criança triste que chorava constantemente. Ninguém entendia o seu comportamento. Até que um dia uma professora da escola resolveu parar e conversar com ele. Sentindo-se acolhido pela professora, Carlos desabafou: “Professora, no dia em que eu fiz quatro anos, minha mãe morreu. Até hoje não esqueci… não aguento mais essa dor!” Depois desse momento, a criança passou a interagir com os outros colegas. A professora teve sensibilidade e percepção quanto ao comportamento da criança e ajudou-o a superar um problema familiar. Sua ação foi complementar.

De acordo com especialistas em educação, entre eles Bernadete Maria Ceccagno, pós-graduada em Orientação e Supervisão Escolar pela UNISSALE (Centro Universitário La Salle), de Canoas (RS), o ideal é que escola e pais trabalhem juntos, como parceiros, na formação das crianças. “Mas cabe aos pais a formação integral dos filhos”, argumenta ela.

Para Bernadete, a escola não pode substituir os pais. De fato, segundo confirmam alguns psicólogos, o que se observa é que, quando os pais “terceirizam” a educação dos filhos, as crianças tendem a desenvolver lacunas no campo afetivo – sobretudo quando o papel da mãe não é preenchido – ou no campo do julgamento do que é bom ou ruim, ou no desenvolvimento de noções de valores, de ética – que é uma qualidade desenvolvida com a ajuda do pai.

Normalmente, os filhos são levados a assumir comportamentos, criar hábitos e ter aprendizados variados, que marcarão suas vidas, de acordo com a formação que tiveram dos seus pais. É essa relação entre pais e filhos que fundamenta a família. E ela se baseia não tanto no tempo de convivência da criança com o pai ou a mãe, mas na intensidade dos momentos vividos juntos, que lhe darão a segurança e a certeza do amor de ambos por ela.

O mundo mudou, a sociedade atual criou novas demandas, mas as crianças continuam necessitando de referências vitais para um desenvolvimento harmônico e equilibrado. Segundo a educadora Bernadete, “quando o ambiente familiar é estimulador para a criança, mediante uma relação mais próxima entre pais e filhos, baseada em diálogos francos e abertos, a criança crescerá de um modo mais harmonioso”. Pai e mãe continuam tendo um papel insubstituível.

 

Companheiros para toda a vida
O livro “O Poder dos Pais no Desenvolvimento Emocional e Cognitivo dos Filhos”, do psicólogo Carlos Messa, identifica a influência dos pais nas diferentes faixas etárias dos filhos.
Do nascimento aos 2 anos
Na gestação, o bebê já recebe dos pais forte influência. As mais conhecidas e críveis influências são as que passam pelo meio físico – através do cordão umbilical e líquido amniótico. Os bebês já podem “entender” suas mães. Eles podem também “prestar atenção” à conversa dos pais. Esse seria o primórdio do pensamento. Nesta fase é que os pais, por meio da vivência que proporcionam ao filho, criam os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos.
Dos 2 aos 5-6 anos
A aprendizagem ocorrida na segunda fase (0 a 2 anos) é colocada em prática, expandida e solidificada. Nesta fase é estruturada a base do raciocínio abstrato e do pensamento complexo, acontece a expansão da vida social, o que permite um número maior de aprendizagens de atitudes e comportamentos improdutivos e inadequados.
Dos 7 aos 11-12 anos
Os pais passam a ter menor poder. Não só professores têm influência, mas também os amigos e outras fontes de informação (TV, Internet, revistas etc.). Nesta fase se desenha melhor o que entendemos como as bases da personalidade. A aprendizagem já se faz mais pela via racional.
Dos 13 aos 17 anos
A independência dos pais, que aconteceu gradualmente desde o nascimento, precisa ser explicitada. O “livre arbítrio” torna-se mais visível. A personalidade adquire contornos mais nítidos. O papel dos pais passa pela prova mais difícil. Apesar do raciocínio lógico bem desenvolvido, o cérebro ainda está em formação e o adolescente não dispõe ainda de recursos importantes para a independência.
Dos 18 aos 25 anos
O adulto se consolida. As alterações sofridas, neste período, tendem a passar através do crivo racional, o que as torna menos frequentes e menos profundas.